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domingo, 1 de agosto de 2010

O Relojoeiro e o Poeta

   Certa vez, um homem entrou em uma loja de relógios. A loja estava vazia, com exceção do dono da loja:
   _Em quê posso lhe ajudar senhor?
   _Eu procuro um relógio para comprar.
   Para a sorte do vendedor, o homem buscava um relógio. Pois imagine o quão trágico seria se este homem tivesse dito que queria um sapato? A loja estava à beira da falência. Nesses tempos modernos, as pessoas não querem possuir um objeto que só serve para marcar as horas? Não havia mais espaço para os relógios dentro do mundo do multifuncional:
   _Que tipo de relógio o senhor deseja? Você já tem algum modelo em mente?
   _Eu estive pensando em um relógio de pulso.
   _Metal ou plástico?
   _Metal. Metal é frio, plástico me irrita.
   _Veja, eu tenho aqui alguns de prata, eles são muito luxuosos.
   O homem os examina com certa frieza:
   _E também tenho algo que possa lhe interessar mais.
   E então ele mostra um belíssimo relógio de ouro. O homem examina apenas com os olhos:
   _Veja, eu não faço questão de que ele seja de ouro ou prata. Para mim, são apenas materiais diferentes. Por mim, ele poderia ser de latão.
   _Mas senhor, um relógio de ouro é muito mais elegante!
   _Eu prefiro um relógio como esse aqui.
   O homem pega um relógio feito de um material genérico qualquer:
  _Esse relógio é muito frágil, senhor. Não dura muito tempo. Diferente do relógio de ouro, que dura por gerações e gerações!
   _Mas é justamente esse o problema dele.
   _Desculpe, o que o senhor disse?
   _O relógio de ouro é infiel. Depois que eu morrer ele pode ser passado para outro dono. E depois que esse novo dono morrer também, para mais outros e outros mais. Por que eu deveria me apegar a algo que durará mais tempo do que eu? Como uma mulher infiel, o relógio de ouro não hesita em se apegar ao novo dono.
   O vendedor perdeu todo o entusiasmo da venda. Ele estava passando por dificuldade e o relógio de ouro era bem mais caro que o relógio que o cliente mostrou interesse:
   _Já esse relógio de lata, ele durará tanto quanto eu. Como o tempo, ele pode enferrujar. Com o tempo, ele pode apresentar defeitos, e até mesmo começar a falhar. Até o dia em que ele irá parar de funcionar. Assim como eu também sofrerei efeito do tempo, irei envelhecer e adoecer.
   _Por que o senhor se importa tanto com um relógio, a ponto de pensar sobre qual será o destino dele depois que o senhor morrer?
   _Porque eu não quero me apegar a uma coisa que não é tão mortal e perecível quanto eu. Eu não entendo porque as pessoas se apegam tanto a coisas ditas eternas ou imortais. Por que se dedicar a adorar uma coisa que não pode retornar a sua devoção? Aos olhos dos imortais, somos nada mais do que ondas que passam e se perdem no tempo. Qual seria o sentido de se apegar a coisas passageiras, se é você quem vai ter de passar o resto da eternidade sofrendo com a perda?
   _Entendo.
   _Eu vou levar este daqui mesmo.
   _Tudo bem, eu vou empacotar.
   Quando o homem saiu da loja, apenas um pensamento pareceu sensato para o vendedor. Ele havia encontrado o único homem que realmente sabia escolher um relógio.

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