Certa vez, um homem entrou em uma Igreja e se colocou a admirar a arquitetura do lugar sentado em um dos bancos. Sozinho, a princípio, admirava os vidrais; as imagens de madeira, os quadros e todos os minuciosos detalhes dos altares. Até que um padre veio ao encontro desse homem:
_Olá, seja bem vindo à casa do senhor. Posso lhe ajudar em alguma coisa? Uma confissão talvez?
_Olá, padre. Não se preocupe ou se incomode comigo, só estou aqui admirando a beleza do seu templo.
_Mas esse templo não é meu, ele é a casa de deus. A mim nada pertence, tudo pertence ao senhor, até mesmo a minha vida e a minha alma.
_Interessante maneira de se pensar. Mas me permite uma pergunta? Espere, uma não, algumas perguntas?
_Claro que pode! Sinta-se a vontade.
O homem observa o padre. Tão complacente e educado, partia o coração do homem:
_Quem foi que construiu esse monumento?
_Foram os homens que colonizaram essa terra. Eles fundaram essa igreja para a catequização dos nativos.
_Interessante. Então foi pela mão de obra dos próprios nativos que essa igreja foi construída?
_Sim.
O padre sorria contente com o interesse do homem perante a ele:
_E em sua opinião, a quem pertence uma obra? Ao autor da ideia ou ao a aquele que a fabrica? Temos grandes artistas ao longo da história. Pintores que pintavam à pedido de mecenas, ou seja, a pessoa que financiava mandava o pintor pintar o tema idealizado pelo mecenas, mas o autor da obra ainda era o pintor. Assim como na composição musical, muitas das músicas da maioria dos cantores comerciais são feitas por terceiros, mas ainda assim o cantor é quem leva o título da música com o seu nome.
_O senhor está tentando dizer que essa igreja pertence aos nativos que a construíram?
_Sim! Muito precisamente!
_Mas quem deu a terra e o barro para ser construída essa Igreja foi deus.
_Assim como os mecenas dão a tinta, o pincel e a tela para os pintores. Julgando pelo seu raciocínio, tudo o que nós produzimos pertence ao seu deus. Mas se produzirmos algo que profane a deus, esta obra também pertence ao mesmo?
_Não! Tudo o que vem do homem tende ao erro. As invenções do homem não pertencem a deus. Apenas o que é de deus pertence a ele.
_Mas se foi o homem que fez essa igreja, ainda que utilizado produtos fornecidos por deus, isso significa que esse templo não pertence a ele, ainda que seja feito para ele. E mais, eu compreendo por que você diz que o seu corpo pertence a ele, uma vez que toda a matéria do seu corpo proveio da terra e para ela retornará. Mas por que você diz que a sua alma pertence a ele?
_Por que assim que eu morrer, a minha alma irá para o encontro da dele.
_O que lhe dá tanta certeza?
_A minha fé.
O homem abriu a boca para responder, mas se calou por um instante. Arrependeu-se de ter começado aquela conversa:
_Fé você diz?
O homem se levante e se põe a andar para fora da igreja. O padre se ergue e grita de leve:
_Quem caminha contra a palavra do senhor, caminho para longe da luz. Portanto caminha em direção às trevas e a condenação.
_Por que me ameaça? Por que me pede que eu tema a morte? Não vês que tua fé lhe cega e lhe obriga a aceitar idéias absurdas em detrimento de uma promessa inatingível?
_Todo homem é livre para decidir o seu caminho. Deus nos deu o livre arbítrio.
_Dá liberdade para que eu possa escolher por não ter escolhas senão estar ao lado dele? Ninguém quer sofrer eternamente e para não correr o risco as pessoas se apegam às promessas que melhor lhe amparam. Por que se apoiar em idéias tão duvidosas?
_Se não em deus, em que o senhor apóia a sua vida?
_Na morte! Ela é o meu consolo, ela é a minha salvação. Eu posso não saber o que vem depois da morte, mas eu vou encarar o que quer que seja com o peito aberto, ainda que seja o fim da minha existência. Eu sinceramente desejo, algum dia, ser gratificado com o descanso eterno. O descanso eterno desse mundo!
E então o homem saiu da igreja. O padre respira mais aliviado, ele nunca havia se deparado antes com um adorador da morte.
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