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segunda-feira, 11 de abril de 2011

Tiros em Realengo

            Estava eu construindo gráficos de funções paramétricas junto com meu caro amigo Adam Walker, quando chegou um homem na biblioteca setorial do centro de tecnologia da UFES, e comentou sobre o dito massacre em uma escola do Rio de Janeiro.
            Desde então, todas as notícias que obtive sobre o incidente vieram de forma indireta. Comentários sobre notícias que amigos meus assistiram na TV ou leram no jornal. Com exceção de uma ou outra informação que encontrei de maneira mais exclusiva e independente pela internet.
            Sobre o incidente em si, pouco desejo comentar. O jovem era virgem, sofria bullying por parte das meninas da escola dele (eis por que ele só matou um garoto por acidente). Ele era aparentemente adventista, muito ligado à mãe adotiva que morrerá faz pouco tempo e era esquizofrênico paranóico.
            Quaisquer informações excedentes, em minha opinião, já é embromação demais. Reviraram a casa do rapaz de um canto ao outro. Começaram a apresentar informações de relevância pra lá de duvidosa. Divulgaram sobre a dieta baseada em ovos que ele seguia. Ouvi comentários também sobre um suposto diário, o qual definitivamente se tornará livro, junto a comentários de algum psicanalista.

(Provável Capa para o livro: "Tiros em Realengo")

            O que me deixa embasbacado, de verdade, é a reação e a atenção exagerada que as pessoas dão a esse tipo de notícia. Tudo bem. Foi uma tragédia, é chocante, é aterrorizador pensar se fosse com um filho seu ou coisa do gênero. Mas seria certo abusar do ocorrido para vender mais jornais e aumentar o ibope?
            “As pessoas consomem, por isso a mídia aproveita e dá ao povo o que ele quer!”
            Muito bem. Há minha maneira de ver, ambos estão errados. Por mim, é uma ofensa à memória daqueles que morreram no massacre. Tremo só de imaginar alguém usando a minha imagem para promover um circo em torno de uma tragédia envolvendo a minha pessoa.
            Recordo muito bem, do caso da menina que foi atirada pela janela. Isabela. Seu nome é tão imortalizado quando será o rosto da foto exposta acima. As pessoas não vão querer esquecer tão cedo, o dia em que um brasileiro resolveu seguir o exemplo norte-americano, e teve seu próprio caso de vingança contra o bullying.
            Talvez as memórias mais trágicas, sejam de alguma maneira, as que mais nos marcam. Eu gostaria de pensar que não, mas talvez tudo isso seja um reflexo da realidade em que vivemos. Uma realidade onde a tragédia  tem maior relevância do que as nobres conquistas, e é bem simples entender por que.
            Tudo o que vêm para o bem, já vem atrasado. Toda boa atitude do governo, por exemplo, as pessoas não agradassem, dão salves e ironizam: “Já era hora!”. Os acontecimentos que nos favorecem, sempre enxergamos como de suma necessidade, pois não aceitaríamos nada menos do que o melhor para nós mesmos. Enquanto a tragédia, só fortalece nosso senso de injustiça sobre tudo o que ainda não nos aconteceu de bom.
            Se quisermos enxergar apenas o que nos acontece de ruim, chegaremos a terríveis conclusões sobre a vida em que vivemos. Poderemos até sustentar como verdadeira a hipótese de que estamos próximo ao fim de nossa existência, com tanta desgraça e “coisa ruim” acontecendo. Mas enxergar a realidade dessa maneira, eu peço desculpas a quem pensa dessa forma, mas é deveras uma forma muito limitada de enxergar o mundo, ou mesmo todo universo.
            As coisas já foram piores, muito piores. Tsunami no oceano pacífico? Terremoto no Japão? Revolução no Egito e na Líbia? Miséria na África? Por favor, não seja tão infantil!
            Ao passo em que regredimos na história, os abusos e o impacto dos mesmos na sociedade só aumentam na escala. Segunda Guerra Mundial, Holocausto, tudo bem. A partir desse ponto, já temos uma boa amostragem de como tiveram pessoas morrendo de forma cruel e insensata. Mas um pouco antes (ou depois), tivemos o forte impacto da guerra do Vietnã, onde ainda nascem crianças deformadas devido ao fator laranja. Tivemos a Primeira Guerra Mundial, cuja contagem de mortes não é tão relevante aos abusos cometidos pelas nações envolvidas nelas. O Imperialismo das nações européias na África de remete a quê? Escravidão. Escravidão negra, em larguíssima escala. Escravidão dos nativos americanos (extermínio na America do Norte). Colonização da Índia e China; destaque no imperador chinês viciado em ópio, e a luta sem armas de Gandhi.
            Pulando alguns séculos. Temos a perseguição religiosa promovida pela inquisição. A guerra das cruzadas entre os árabes e os templários cristãos. Peste Bubônica. E não desejo ir mais longe do que isso, pois é até onde minha memória me favorece sem a necessidade de procurar algum livro de história. Odeio fazer consultas enquanto estou escrevendo.
            Até esse ponto, será que já consegui mostrar o meu ponto? A Humanidade já passou por situações muito piores em termos de qualidade de vida e sofrimento do que está enfrentando agora. Portanto apontar catástrofes naturais e micro-guerras como sinais do fim dos tempos, é meio sem sentido.
            Agora que percebi, falei um bocado além do que pretendia. O que deveria ser uma postagem curta, rápido, um breve comentário. Transformou-se em outro monstro amedrontador (pelo menos para leitores mais preguiçosos).
            De resto, deixo aqui a carta original redigida pelo “franco-atirador”. Espero que tenha deixado clara a minha mensagem. Pouco me importei ou me sensibilizei com o ocorrido em Realengo. Mas muito me entristeci com a reação das pessoas à ocorrência.