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domingo, 1 de agosto de 2010

O Avarento e o Poeta

   Certa vez, um homem entrou em uma casa de penhores, ele portava consigo uma maleta de grandes proporções. Ele esperou na sala de espera, até que chegou o seu momento de tentar a sorte com o seu potencial comprador. Do outro lado da mesa, se encontrava um velho esquelético de cabelos mal penteados:
   _Boa tarde.
   _Boa tarde. O que o senhor trouxe ai com você?
   O homem colocou a maleta sobre a mesa, e a abriu revelando uma belíssima guitarra Fender.
   _Posso tocar?
   _É claro! Se você quiser levar, é preciso examinar não é mesmo?
   O velho faz uma perfeita analise primária na guitarra. Ele não entende absolutamente nada a respeito de instrumentos musicais, mas ainda assim finge interesse pela guitarra:
   _Quanto o senhor quer dar nela?
   _Olhando assim, não sei. Duzentos contos.
   _Duzentos?!? – o homem recua para trás temendo agredir o velho de tamanha indignação. – Essa guitarra é de primeira qualidade! Vale quinhentos reais no mínimo!
   _Olhe aqui, eu não entendo nada de música, e eu não me importo com qualquer história que você me venha contar sobre aventuras que você já teve com ela. O meu negócio aqui é comprar e vender!
   _Mas a preço de que?
   _Ao preço que ela vale de verdade horas bolas!
   _Você não entendeu a pergunta. A preço de quê você faz isso?
   _Como é? – o velho estava agora bem confuso, não sabia mais se era por conta do cheiro do ralo, ou se por conta do louco com quem defrontava fazendo perguntas misteriosas.
   _Eu sou muito curioso a respeito do seu trabalho. Você se apodera dos objetos de outras pessoas. Objetos, que muitas vezes, fazem parte do histórico de famílias e da própria vida de outras pessoas. E ainda assim você os vende posteriormente.
   _Quem mandou ser pobre? É nisso que dá não é? Depender do dinheiro dos outros.
   _E você então? Que depende do desespero dos outros?
   _Ei! Não coloque a culpa em mim! Eu ajudo as pessoas!
   _Você tira um objeto da posse de uma pessoa. Objeto tal que provavelmente era de um valor inestimável para essa pessoa, para depois passar ele para a mão de outra. Eu acho interessante esse seu teórico desapego material.
   _Olha, eu não tenho o dia inteiro para ficar filosofando aqui. Tem outras pessoas ali fora me esperando. É pegar os duzentos ou ir embora!
   _Quanto daquilo que você compra fica para você?
   _Nada disso aqui fica para mim. Dono eu só sou do meu dinheiro.
   _Vixe! É bem mais incrível do que eu imaginava! Você só fica com esse papel timbrado e os dígitos na tela do terminal dos bancos? Você sabia que o dinheiro de hoje em dia não é mais liquidável em ouro, mas sim em absolutamente nada? Interessante, o senhor não tem posse de absolutamente nada! Se você pedir o seu dinheiro no banco, eles só vão lhe entregar papéis, papéis sem o menor valor!
   _Já chega! Eu vou chamar o segurança!
   O velho estende a mão para o telefone, mas o homem alcança primeiro, impedindo o velho de tirar o telefone do gancho:
   _Você não precisa ter medo. Eu não desejo mal ao senhor, como eu já disse, eu me interesso muito pelo seu trabalho.
   O velho se recosta fundo em sua cadeira, pensando se ele consegue alcançar a saída antes do homem, ou se compensa mais tentar gritar pelo segurança, sendo que esse provavelmente está do lado de fora do prédio fumando:
   _Nesse mundo, nada nos pertence, nem mesmo os nossos corpos. Tudo o que compõe a matéria dos objetos e dos nossos corpos veio do solo e para o solo tudo retorna. Pois depois de mortos, não carregamos nenhum dos objetos que aqui temos depois da morte e também não levamos os nossos corpos. Viemos a esse mundo sem posse de nada, e nada do que aqui está seremos capaz de levar daqui conosco. Exceto claro, se nós viajarmos para o espaço, mas isso só estenderia o mesmo princípio da terra para o universo.
   _Trezentos! Eu dou trezentos nela!
   _Senhor, eu não estou interessado no seu dinheiro, mas sim no seu trabalho. Eu nunca tive a intenção de vendar um dos meus poucos bens que ainda tem valor para mim.
   Era pior do que o velho imaginava. O maluco não só quase o matou do coração quanto lhe fez perder um considerável tempo:
   _Se você não veio aqui para vender essa porcaria, por que você não sai logo daqui! Eu não quero ficar ouvindo essa baboseira de terra e solo e vida após a morte! Eu não acredito em deus e eu não estou interessado na sua religião.
   _Eu percebo que já o perturbei o suficiente.
   _O suficiente?! Então é isso é? Tudo o que você queria era me encher o saco? Pois fique sabendo que se eu quiser, eu compro o que eu quiser! Eu compro a cidade inteira! Eu compro o mundo inteiro só para mim.
   _ “Tudo posso, mas nem tudo me convêm.” Acontece que o senhor não deseja ter todas essas coisa, você mesmo disse que só é dono do seu dinheiro.
   O homem sai da sala, deixando o velho tremendamente perturbado. Trezentos parecia ser um preço justo, uma vez que ele pretendia vender por mais de mil reais.

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