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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Canalizando

    Existe um canal de televisão, não é muito popular, mas é o meu canal favorito. As pessoas não gostam muito de acessar ele, mas o fazem eventualmente, quer queiram ou não. Ele é acessado através de um botão, geralmente localizado no topo do controle remoto. É o maior botão de todos, algumas vezes ele é vermelho. Enfim, você pressiona esse botão, e então a tela fica totalmente escura, o áudio fica mudo e você é obrigado a interagir com as pessoas à sua volta. É o meu canal favorito.
   Sinto angústia de ter um aparelho de televisão ligado perto de mim, não importa qual programa esteja passando (salvo exclusivas exceções).  A televisão tem uma função social bem peculiar, ela serve para isolar as pessoas uma das outras. Imagine uma perfeita desculpa para ignorar as pessoas ao seu lado, muito simples, vocês estão assistindo televisão juntas. Basta um televisor ligado, e é a desculpa perfeita para você ignorar a presença de outras pessoas a sua volta. A televisão é excelente para locais onde as pessoas são forçadas a dividirem o mesmo cômodo, mas não estão interessadas em interagir com as outras. Lobby de prédios, consultórios médicos, fila de banco e até mesmo academia de ginástica.
   Mas agora, dentro de casa? Que atrocidade! É suicídio intelectual! Com pessoas à sua volta, você realmente precisa de televisão para se entreter? Ok, não precisa voltar para as trevas, tem sempre o computador e o vasto mundo da internet. Ao invés de ligar uma televisão, por que não convidar os seus amigos para assistirem vídeos engraçados no youtube? E qual a diferença? A maneira racional com que você pode selecionar o conteúdo que melhor lhe agrada. É claro, se você optar por porca qualidade de conteúdo, internet ou televisão, pouco diferença fará. Mas o bom internauta sabe, a internet tem de tudo para todos os gostos, da melhor à pior qualidade possível (desconsiderando o gosto).
   Eu não estou aqui  para falar que o único mal da televisão é a qualidade dos programas, ainda que a maioria seja intragável. O verdadeiro mal da televisão, não é cultural, mas social. Imagine uma criança ou adolescente que esteja sofrendo sérios abusos na escola. Os pais dessa criança trabalham até o fim da tarde, portanto tem pouco tempo com a criança, e o único momento que a criança teria para conversar com os pais sobre seus problemas é justamente quando seus pais estão assistindo: novela, jornal local, mais novela, jornal nacional, mais novela, um seriado e depois vão dormir. Quando é que essa criança vai ter tempo para se abrir e dialogar com seus pais, no intervalo comercial? Que ridículo:
   _Mãe, eu precisava conversar com você...
   _Agora não menina! Já vai começar minha novela!
   A realidade se estende além de necessidades especiais, como o caso de uma criança que sofre abusos. Para que uma criança e um adolescente tenham suas bases emocionais bem estruturadas, elas precisam do diálogo com seus pais. Mas o que tem se observado, principalmente na geração da década de 2000, é o isolamento não apenas social, mas físico. As crianças passaram a ter televisão dentro de seus quartos. Sendo então, as pessoas dentro de casa não necessitam nem mesmo estar no mesmo ambiente para se isolarem novamente na frente da televisão. Agora, cada um tem a sua televisão, dentro de seu espaço individual, dificultando ainda mais a comunicação. É claro, pode-se muito bem pensar, “o computador tem o mesmo efeito”. Mas o computador ainda permite que haja uma interação através de ferramentas de mensagens instantâneas, ou ainda redes sociais. Já a televisão, obriga cada pessoa a se tornar uma ilha, um fosso, como um mero receptor passivo, ainda que esteja batendo os ombros com outras pessoas em um sofá apertado.

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