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sábado, 19 de fevereiro de 2011

Big Bestas Brasileiros


charge elaborada por Antônio Marcos Oliveira Romeno 
(vulgo, A.M.O.R. - não olhe para mim, foi ele quem disse)



            Deveria ser uma quinta feira, ou era sexta, não me lembro bem. Meu companheiro fiel de vodka me chamou ir a sua casa. Pouco para fazer, todos meus outros contatos de forte relevância estavam fora da cidade naqueles dias. (algum feriado prolongado, que permitiu a todos viajarem)
            Agora me recordo de fato, era sexta feira. Eu até mesmo levei o notebook. Conversamos por um tempo. Ele me mostrou alguns vídeos da Kate Perry – seu novo fascínio – usando a entrada de vídeo de seu notebook para a televisão. A noite caiu, e nós não encontramos nada de mais interessante para fazer. Decidimos descer e comer na lanchonete do outro lado do quarteirão.
            Uma vez sentados à mesa e devorando, cada um, um cachorro quente self-service, eu percebi que a televisão estava sintonizada na Rede Globo, estava passando o Big Brother Brasil. Embora eu gostasse de estar mais concentrado no meu cachorro-quente, eu não podia deixar de entreouvir a conversa de Pedro Bial com os integrantes da casa. Frases como: “Eu acho que alguém ai bebeu demais na noite passada!”, “Fulana, você se lembra de quantos pães você comeu na noite passada?”, “Talvez alguém aí passou do ponto!”. Eu tive a sincera vontade de arremessar o meu lanche na direção da televisão, ou a garrafa de coca-cola, ou mesmo a minha cadeira junto com a mesa de plástico.
            Sexta feira eu fui jogar Poker. Agora me lembro melhor. Aqueles vinte reais que deixei passar tão próximo da premiação são inesquecíveis. Fiquei em terceiro lugar, revoltado, mas sem derramar lágrimas por conta disso. Então era uma quinta feira. Não acompanho para conhecer ou entender a mecânica, mas parece que quarta feira é dia de festa naquele laboratório de ratos imundo chamado “Big Brother Brasil”.
             Vendido para redes de televisão por todo o mundo, “O Grande Irmão” tem olhos e câmeras em quase setenta países. Um reality show da mais baixa classe, e muito pouco compreendido em relação à mensagem que ele transmite.
            Quinze participantes entram em uma casa, e de lá, apenas um sairá com um prêmio atualmente estimado em 1,5 milhões de reais. A cada semana, dois participantes são postos à votação popular para serem eliminados pelo voto... espere um pouco! Por que eu estou me dando o trabalho de explicar como esse programa funciona? Qualquer brasileiro com acesso à internet e com televisão em casa sabe explica sobre todas elas muito melhor do que eu! Além do mais, a única autêntica regra naquela casa é: NÃO EXISTEM REGRAS!
            Nunca compreendi como um dito “jogo” poderia ter tantas viravoltas e distorções de regras operadas pela produção do programa. Eu bem entendo o propósito. Manter a emoção, caso contrário o programa fica tedioso e repetitivo. É bem fácil levar um grupo de pessoas a definharem próximas à loucura e devaneios emocionais, quando são postas em situações tão drásticas e desestabilizadoras. Mas nem mesmo o diabo, o bom e velho jogador dos filmes de fantasia e terror psicológico, seria capaz de mudar tanto as regras que ele mesmo estabeleceu. Tenho uma novidade para o Boninho; o programa já é um tédio desde a primeira edição, mudar o jogo ou colocar mais participantes aleatórios, não vai mudar em nada!
          Esse programa é transmitido em países como Alemanha, Reino Unido, Itália, Holanda – mas não na França, Deus salvou os franceses dessa tortura. E isso me faz pensar. Se fosse uma exclusividade brasileira, não haveria questionamentos quanto os motivos que levaram o programa a fazer tanto sucesso, e ainda perdurar por tantas edições. Mas pensar que o povo europeu, com uma cultura tão mais rica, com um ensino tão mais qualitativo, como eles poderiam consumir tal abominação intelectual?! A explicação – e essa eu bem elaborei de última hora – é uma metáfora bem alegórica. A mais terrível de todas as metáforas sobre a vida e nossa sociedade capitalista.

            Winston Smith dividia com outras pessoas uma cela completamente branca no subsolo do Ministério do Amor. (para quem não leu “1984 – George Orwell” eu digo que sinto muitíssimo, mas bem que já passou da hora!) Os prisioneiros não podiam fazer qualquer forma de contato e interação uns com os outros.
Caso tentassem se aproximar ou saírem da posição orientada – sentado ereto e olhando para frente – a tele-tela apitava e uma voz metálica, ainda que feminina, ordenava o prisioneiro a voltar para seu lugar de origem. A porta se abre, dela entram alguns oficiais da polícia do pensamento. Um deles, aponta para o prisioneiro mais próximo à porta e diz: “Para o quarto 101”.
O prisioneiro esperneia a grita: “Não! Não o quarto 101! Por favor, eu faço qualquer coisa! Eu falo o que você quiser! Eu faço o que você quiser, mas não o quarto 101!”. Impiedosos, os guardas o arrastam para fora da cela. E a porta se fecha atrás do último oficial.

            O que representa um prêmio de 1,5 milhões de reais? Uma vitória? Uma vitória financeira? Muitos são os que gostariam de participar deste programa. Querem ter a oportunidade de teoricamente tornar-se milionários, largarem os empregos entediantes para uma vida de suposta comodidade, fama e glamour.
            Mas para que haja este vencedor, deve haver muitos perdedores no meio do processo. Provas e testes que não se compreende em plenitude. Quaisquer habilidades pessoais, ou preparações técnicas, são completamente inúteis e irrelevantes quando se trata sobre essa roleta russa coletiva. Os ditos “Brothers”, precisam se desdobrar em tarefas irracionais e sem nexo. Para no fim, estarem lançados aos desejos e vontades dos produtores. Pois eu não tenho medo de afirmar, que a votação popular é totalmente descartada para determinar o vencedor. Estatísticas são todas forjadas e inventadas. Como pode um programa cuja audiência só permanece caindo, apresentar em cada edição, um novo recorde de telefonemas e votos?
            Pessoalmente, quando assistia qualquer uma dessas provas e testes, “prova do líder”, “prova do anjo”, “prova da comida”, tudo o que podia observar era merchandising! Eu via anúncios de diversos patrocinadores aleatórios. Parece que nada dentro daquela casa pode existir ou ser feito ou executado sem ter o selo de alguma marca ou empresa estampada de alguma forma.
            Esse espetáculo representa nada mais que uma sátira a respeito de nossa sociedade capitalista, onde o sucesso de um, significa o fracasso e a submissão sócio-econômica de outros mil, no mínimo. O Grande Irmão serve como uma perfeita alegoria a respeito das pessoas por trás de todo “o jogo”. Os jogadores somos nós mesmos, o Líder é aquele que se faz eleito de maneira teatral, mas quem controla o jogo é a mão oculta, mais poderosa que o Líder, e qualquer outra força visível aos olhos dos jogadores. O homem que trás a sentença para condenar os eliminados, só é visto pelo televisor, e encontrado pessoalmente apenas após o momento da vitória, ou eliminação.
            Admitam, é uma bela de uma metáfora. Mas eu trago maior infelicidade ainda na conclusão desta analise. Haverá, sim, a décima segunda edição, tão bem como a décima terceira, e a décima quarta. A única coisa capaz de impedir uma décima quinta edição é um eventual apocalipse em 2012. Chorem, ou atirem tomates, é a triste verdade.

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